Toca
o despertador são seis horas da manhã. Não quero, não vou levantar está frio,
muito frio quero dormir. Mas como não vou levantar? Tenho compromissos, meus
alunos estarão lá me esperando, apesar do frio. Aliás estarão lá com frio,
chuva ou calor. Bom, pelo menos quase todos estarão lá. Pelo menos em corpo, as
almas, os espiritos estes eu não sei por onde vagam.
Mas
não importa, eu sou o professor, tenho de estar lá. É minha missão, mostrar o
caminho à estas jovens almas. Mostrar não! Ajudar-lhes a encontrar seus
caminhos, rumo ao futuro, ao futuro da Nação. Está é nossa profissão, nosso
sacerdócio. O professor deve ajudar a mudar o mundo usando a pena para lapidar
as almas destes jovens, mostrando-lhes a luz do caminho. Meu Deus, que clichê!
Entro no chuveiro, está
frio, a água morna me acorda, me anima. Vou lá. Vou mudar o mundo! Queiram ou
não! Vou iniciar a revolução a partir da minha sala de aula. Missão divina, ser
educador, ser professor.
Chego na Escola
empilhado, com velocidade máxima. Cumprimento os colegas. Estranho! Eles têm as
faces cansadas e desanimadas. O que houve? Por que o desânimo? Problemas? Não,
não devemos trazê-los para cá. Aqui é o nosso templo sagrado. Acho que a
frustração de muitos é por falta de vocação. Deixo-os de lado vou para a aula.
Meus alunos, meus
discípulos, todos ali. Caras sonolentas, já vou acordá-los, já vou animá-los.
Mas eles seguem ali, sonolentos, cabisbaixos. Riem, volta e meia, de minhas
piadas, mas realmente não estão ali, não em espirito. A aula termina, frustração!
Não vou mudar o mundo! Triste constatação, meu amigo. Talvez você o faça, com o
seu trabalho. Talvez você também não o consiga, pouco importa!
Volto do intervalo
desanimado. Outra turma. Outro bando de alienados, sentados em frente a um
professor desmotivado. O que eu estou fazendo aqui? Estes jovens de hoje não
querem nada com nada, só sabem mexer no celular. Eu também tenho vontade de
mexer em meu celular. Mas não posso! A matéria flui, mecanicamente recitada como
um mantra uníssono. Chato!? Azar eles! Também não se importam. O sinal, ufa! A
aula terminou, vou almoçar.
Onde eu errei? Penso,
reflito, não acho meus erros. A comida não desce. Minha missão profissional
virou um fardo.Virou uma missão impossível. Onde foi que me meti?
Claro! O erro está ai. Não
vou mudar o mundo sem mudar o sistema, tenho de começar a mudança por cima. Inicio
a tarde com a ideia e a chave da mudança, vou para a sala do Diretor do Turno
da Tarde, eu mesmo. Pronto agora é só ajustar tudo e iniciar a revolução
educacional.
Professor, a voz da inspetora entrando na
minha sala me acordado devaneio. O professor de matemática faltou, diz. E se
segue o turbilhão: o professor fulano brigou com o beltrano; a turma tal se
recusa a entrar em aula; faltou papel; não temos professor de química;
assembleia do sindicato; não esqueça que o gestor quer saber das metas; e o
promotor de justiça quer saber porque colocaram o cachorro vadio para fora da
escola (você não poderia...) enquanto outro promotor vai processá-o por
negligência pois o mesmo cachorro mordeu um aluno e você (no caso, eu) deveria
ter posto o cachorro para fora antes disto. Não entendo mais nada! Aliás acho
que nunca entendi.
A tarde voa, não fiz
nada, apenas apaguei incêndios e desagradei pessoas. Principalmente isto,
desagradei pessoas, pelo que fiz e pelo que deixei de fazer. É surreal., mas
mudar o mundo vai ter de ficar para amanhã.
Vou tomar um café,
frio, pois já saí do gabinete da Direção, e me recompor para o turno da noite.
Uma última turma. Tomo fôlego, tenho de ser profissional, fazer o meu papel,
por menor que seja, como tijolos na parede. Acho que isto é uma música, não é?
Encaro a última turma,
adultos, tão cansados e desesperançados como eu mesmo. Vejo em seus olhos um espelho
de minha alma. Respiro fundo, deixo o ideal e o rigor conteúdista de lado. Falo
o que sinto, minhas vivências e experenciações. Pelo canto dos olhos vejo a
cumplicidade nos seus olhos cansados, sorrisos quase cúmplices quando reafirmo
através de minhas experiências tudo aquilo que eles sentem. A aula termina,
eles se vão. Satisfeitos! Eu também. Cumpri, ao que parece, minha missão de
educador, ensinei aquilo que tem o maior valor, minha experiência de vida. As
experiências, dores e angústias que permeiam minhas vivências. Vou embora
alegre. Missão cumprida!
Chego em casa, noite
fria, sento-me no sofá, noite fria, ao fundo uma novela. Adormeço. Acordo de
sobressalto, suado. Dou-me conta...Dou-me conta que o que se passou não foi um
dia em minha vida. Foram os trinta anos de minha profissão de professor. Uma
vida inteira de angústias, sonhos, frustrações, desânimo, luta e muito
trabalho.
Minha vida inteira em
um dia! Com toda sua complexidade. Uma lágrima escorre em minha face, já
enrugada, homenageando o jovem idealista que um dia fui.
Valeu a pena? Sim
valeu! Todo o sonho vale a pena não importa quanto tenhas de lutar por ele.
Vencer as agruras,ser derrotado, dar a volta por cima é da vida. Deixar nossa
marca, por mais insignificante que seja, já é uma vitória.
Cair, levantar, vencer
, sobrepor obstáculos e ver um novo amanhecer! Esta é a lição que a vida
ensinou a este velho professor. Um aluno, apenas um aluno encaminhado
justificaria tudo que passei e, garanto, ajudei bem mais que um aluno.
E você? Qual seus
sonhos? Quais suas angústias? O que faz te mover? Tua vida pode ser refletida
em um dia? E este dia valeu a pena?
Afirmo-lhe com muito
orgulho, o meu dia, valeu. Valeu a pena!
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