quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Os Bichos

 


 

Antes que falem esta distopia é claramente inspirada no genial George Orwell e sua Revolução dos Bichos. Mas aqui os porcos não estão poder, chafurdam na lama na sujeira lá e acolá, mas o poder pertence a outros bichos, mais escrotos e perigosos.

Há algum tempo atrás uma peste, um morcego vindo da China fez desaparecer a espécie humana. Uns dizem que os humanos não sumiram, estão apenas escondidos em suas cavernas modernas, conhecidas por casas e apartamentos, mergulhados num mundo semelhante ao Mundo das Ideias descrito por Platão. Mas este transe, a que os humanos sucumbiram, foi provocado por um aparelho barulhento que das paredes da caverna transmite todo tipo de besteira, mentira e paranoia. Quando os humanos tentam ver as sombras que se projetam do lado de fora de suas portas são contidos, aos gritos, por seus aparelhos de televisão e por imagens de deidades, influenciadoras de opinião, que repetem sem parar: fique em casa!

Sem homens a terra ficou para os bichos, que tiveram que se organizar em grandes e pequenas fazendas, distribuindo os poderes e tarefas. Claro que poderes para uns poucos e tarefas para os demais. Nosso pago virou um fazendão, o fazendão verde-amarelo.

Um fazendão meio diferente, com uns bichos esquisitões. Aqui as panteras negras por exemplo queria ser panteras afrodescendentes, diziam-se trazidas a força de outros pagos, embora sejam legítimas onças (Panthera onca), nascidas e criadas nestas terras.

E os bichos foram ocupando seus espaços. Algumas espécies dominaram nichos específicos, não que outros bichos não pudessem estar naquele espaço, mas era difícil. No fazendão ninguém podia se fazer de pato a ganso.

A política, com suas câmaras, assembleias e senados ficou para os ratos, ratazanas e camundongos, as vezes aparecia alguma cobra por ali. Mas as cobras preferiam se esconder nos cargos comissionados do serviço público, onde viram aliadas de primeira hora das ratazanas. As cobras inclusive mudaram seus hábitos alimentares agora comiam caviar, peru, lagosta e vinhos finos.

Os cargos subalternos do serviço público, aqueles em que teoricamente tem que se fazer alguma coisa, forma ocupados por elefantes, gordos e lentos, paquidérmicos literalmente. E por bichos-preguiça. Estes também estavam nos sindicatos, sempre parados, tão parados que nem greve mais precisavam fazer.

A imprensa foi ocupada por corvos, papagaios e gralhas, que ecoavam sem parar as mesmas mentiras e profecias que retumbavam nas cavernas das sombras dos homens, uma cacofonia de: Fique em casa! Fique em casa! Fascista! Machista! Bichofóbico (deveria ser homofóbico?!)! E,... Fique em Casa!

Nas artes e cultura animal deu grilo. Os macacos tomaram conta. Bonobos andando literalmente de pau na mão, viraram símbolos da cultura. E o costume símio de cagar na mão e jogar a merda nos outros virou a expressão máxima das artes. Claro que aqui também pululavam peruas, veados e vacas sagradas, aquelas vacas de famílias tradicionais.

A justiça ficou a cargo das serpentes, embora o Pretório Excelso tenha ficado para os Urubus-Rei togados. Adoram chafurdar na carniça e se acham os Reis onipresentes e oniscientes, sabem de tudo e de todos. Dizem, as más línguas que têm uma franga e um pavão escondidos no meio dos urubus. Mas deve ser fofoca, tem até um urubuzinho, o mais novo que ainda não saiu do ovo, fica andando pra lá e pra cá com o ovo na cabeça.

Mas por trás de tudo e de todos estão os lobos. Eles mandam em tudo, ficam com a melhor parte do espólio, caçam em bando e protegem a matilha. Se disfarçam bem no mato do fazendão é muito difícil vê-los e, se você chegar muito perto eles acionam os chacais que controlam a guilda dos advogados e, pronto, os urubus togados mandam você para o xilindró. Deixe os lobos em paz, este é meu conselho.

O único lugar em que os lobos aparecem e fazem questão de controlar as vistas de todos é a Universidade dos Bichos. As vezes uns ratos ajudam os lobos com a tarefa de (des)educar. Lá eles manipulam todos, formando as ovelhas que lhes servirão de repasto no futuro. Quem é educado por lobos, ou lobo é ou vira ovelha e, ovelhas são o jantar.

E os cães de guarda, os cães pastores? Estes foram presos nos quartéis e se tentam sair os papagaios da imprensa começam a gritar: É golpe! Quartelada! Ditadura!

O resto da bicharada carrega o piano, literalmente, trabalha para sustentar os poderosos. São patos, burros de carga, cavalos de arado, camelos e tantos mais. Trabalham de sol a sol, como formigas, gerando comida e dinheiro para os “grandes líderes”. São tratados como rebanho, como gado. 

Gado não! Isto é ofensa. No fazendão, onde a moda é ser vegetariano e vegano (e só comer lagosta, caviar e churrasco escondido) é pecado ser bovino (a menos que você seja uma vaca sagrada), afinal bovinos peidam e aumentam o efeito estufa. Pelo menos é o que disse Greta, uma Lemingue esquisitona, nascida lá pela Escandinávia que vai na frente e é seguida por um monte de idiotas úteis.

Para facilitar a administração do fazendão dividiram tudo em potreiros e os potreiros em currais. E entregaram a administração para cada bicho mais escroto. Por aqui, hoje, temos um Veado e uma Vaca (sagrada). Noutra crônica contarei uma que a Vaca nos aprontou. 

Mas o que virou zona mesmo foi a Presidência do Fazendão. Já tentaram de tudo. Depois que prenderam os cães de guarda nos quartéis, trouxeram uma Morsa, um bicho com um bigodão, metido a poeta, adorava marimbondos. Depois veio um Galo, disseram que era de Galo de Briga, mas acabou sendo um garnizé. Foi trocado por um Pica-pau que só tinha a crista.

Depois veio um Tucano, tinha cara de Macaco, dizia que era uma coisa esquisita, que ninguém sabia muito para que servia, sociólogo, pode ser? É sociólogo, mas no fundo era um Tucano, de uma raça rara, Tucano Vermelho. Tentaram trocar por um bicho marinho, afinal o Fazendão tem mar de sobra.

Veio então um Molusco, uma Lula, de tão ladra que era roubou seu próprio tentáculo, ficou só com nove. E a tal Lula gostava de viver em um ambiente líquido e, por questões de higiene, vivia mergulhada no álcool (ou na cachaça) como queiram. Depois veio uma Anta. Dessa nem preciso alar, seus discursos antalógicos, ou melhor, antológicos falam por ele.

Mas nos últimos tempos o povo, os bichos que trabalham e sustentam todo mundo ficaram brabos e acabaram elegendo um Leão. Tá certo o bicho é meio tosco, ruge por qualquer coisa, parte pra briga, mas, afinal, é um Leão.

E o caldo entornou. Lobos, ratazanas, cobras e urubus estão desesperados. Tentam prender ou matar o Leão de qualquer jeito, mas os cães de guarda estão começando a se agitar. Os papagaios mudaram o grito, agora é: Fascista! Genocida! E, Fique em Casa!

Mas parece que a coisa vai ficar feia no Fazendão. Os bichos do povo perceberam que se tiver um estouro da manada e, eles são a manada não vai sobra nem poeira dos impolutos líderes que hoje vivem nos porões do poder e do serviço público.

Uma nova revolta dos bichos está crescendo e não vai ser nada boa para os bichos escrotos. Tem lobo vestindo pele de cordeiro e aprendendo a dizer mééééé. Mas no estouro da manada nada escapará, não vai ficar pedra sobre pedra. 

O Leão ruge e a manada vai atender ao rugido do Leão e marchar para retomar o seu fazendão.

Ou isso, ou o rugido do Leão despertará os homens. Que vão desligar a televisão, sair do transe, deixar suas cavernas, soltar os cachorros, por pra correr lobos, cobras, ratazanas, urubus e outros bichos escrotos. Retomando, finalmente, o país que é seu por direito.

Ouçamos o rugido do Leão e despertemos de nosso sono nas sombras! Tem muito rato para colocar a correr.

 

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